Ao menos aqueles que têm 30 ou mais anos ouviu a música Biquíni de Bolinha Amarelinha, que desde a década de 1960 foi sucesso na voz de diversos cantores e grupos musicais. Os versos engraçados da música diziam da Ana Maria que vestira um biquíni tão peque no que, ao final, ela escondeu dentro de um dedal.
Originalmente, a música é uma composição de Paul Vance (em parceria com Lee Pockriss) com o título Itsy Bitsy Teenie Weenie Yellow Polkadot Bikini e gravada primeiramente por Brian Hyland. O compositor Paul Vance, que faleceu em 2022 aos 92 anos, confessou que a inspiração para a música foi sua filha que com dois anos de idade vestiu pela primeira vez um biquíni e estava envergonhada por isso.
Ainda na década de 1960, o maestro Hervé Cordovil adaptou a canção para o português com o título de Biquíni de Bolinha Amarelinha. Ronnie Cord foi o primeiro brasileiro a gravar essa ver são, mas a música alcançou o sucesso na voz de Celly Campello. Décadas depois foi a vez de a banda Blitz gravar a mesma música.
A ingenuidade e o tom jocoso da década de 1960 ficaram perdidos nessa estrada longa do tempo. A canção perdeu a sua graça inicial, mas manteve acesa a chama da nostalgia. Quem a ouviu no passado é levado a reviver as emoções daquela época quando suscitado por uma execução dessa canção na atualidade, seja em bailes, em gravações, ou em algum programa de televisão.
O biquíni pequenino volta a ser tema de atenção nas redes sociais, mas de uma forma muito mais leviana e fútil. Parece que os meios de comunicação e os perfis particulares não se cansam de postar e comentar imagens de “celebridades” que estão vestindo biquínis ousados.
As aspas em celebridades é um questionamento explícito ao uso atual do termo, associado a aparição midiática tão somente. Há alguns anos — talvez décadas — a pessoa célebre era aquela que desempenhava um papel social relevante, demonstrando capacidades, competências, habilidades e vultosidade foras do comum.
Na Antiguidade, as celebridades foram pessoas como Alexandre, o Grande; Arquimedes; Buda (Sidarta Gautama); Confúcio (Kung Fu Tzu); Gengis Khan; Sócrates; Aristóteles; Jesus Cristo... Pessoas notáveis, pensadores, construtores de impérios, gênios da humanidade. Sua contribuição para o mundo que conhecemos hoje é notável. Atualmente, quem são as tais “celebridades”? Alguém que faça um vídeo tosco, de baixo conteúdo intelectual, mas que consiga “viralizar” (espalhar pela internet), alcançando milhares ou milhões de visualizações, esse pode se converter numa “celebridade”.
Essa pobreza cultural que vivemos hoje é resultado da sociedade capitalista, quer o leitor queira ou não. No capitalismo, tudo se converte em produto para ser explorado e comercializado com a intenção de gerar lucros para as grandes corporações. E ao contrário de sua origem e consolidação, voltadas à produção e comercialização de produtos (comércio e indústria), o capitalismo na atualidade aprendeu a gerar lucro sem produção.
De uma lista de quinze maiores lucros no ano de 2024, quatro empresas são da área de tecnologia da informação e comunicação (Microsoft, Apple, Amazon e Alphabet); sete são bancos; uma é de seguros e investimentos diversos; duas são de operações de petróleo e gás e apenas uma é indústria de produção de automóveis (Toyota Motor).
Essa é a face do capitalismo na atualidade. E o que isso tem a ver com o biquíni pequenino? Ora, as empresas de tecnologia de informação e comunicação, proprietárias das redes sociais — ou de aparelhos ou sistemas operacionais que viabilizam o uso das redes — lucram muito com as tais “curtidas” e viralizações. Postar a foto de uma “celebridade” que já passou dos 40 anos com biquíni minúsculo é motivação para as visualizações e formas de interações nas redes sociais que impulsionam o crescimento das fortunas das empresas de tecnologia da informação.
As veiculações de propagandas e a captação de informações dos usuários (gostos, tendências, interesses...) são algumas das formas de produção de lucro para essas empresas. Muitos desses dados — que deveriam ser protegidos como preconiza a Lei Geral de Proteção de dados — são vendidos para empresas que as utilizam como maneira de influenciar o consumo.
Com tantas postagens de “celebridades” vestindo biquínis neste verão, não seria surpresa nenhuma se você recebesse em seus canais de comunicação das redes sociais ofertas de produtos similares. E assim caminha a humanidade... capitalista.
Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA
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