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Uma Greve Esquecida

Muito pouco, quase nada mesmo, tem sido falado sobre a história do movimento operário em Porto Feliz. Mesmo tendo sido uma cidade com poucas indústrias ao longo de sua existência, a cidade teve uma fábrica de tecidos de grande porte e, ainda, uma Usina de açúcar (antigo Engenho Central).


A pesquisadora Deborah Regina Leal Neves, em seu artigo “Tecendo a história de São Paulo: tecelagens como patrimônio cultural”, afirma sobre a Fábrica Nossa Senhora Mãe dos Homens, de Porto Feliz, que “Não era das maiores indústrias do Estado, embora a única de tecidos na cidade de Porto Feliz, mas por seu capital e força de produção é considerada uma empresa de grande porte”. Uma empresa de grande porte precisaria ter muitos trabalhadores.


E onde há muitos trabalhadores, especialmente nas primeiras décadas do século XX, havia exploração e péssimas condições de trabalho e segurança. Um ano após a sua inauguração, a fábrica de tecidos celebrou um acordo entre partes acerca de caso de incapacidade permanente do menor José de Jesus Soares que perdeu o antebraço num acidente nas engrenagens de uma das máquinas da empresa. Ainda em 1924, mesmo ano da fundação da fábrica, surgiu a Liga Operária de Porto Feliz, uma espécie de sindicato, tendo como presidente Lucídio Mello Machado e secretário o jornalista Sabino José de Mello. O objetivo da Liga era “pugnar pelos interesses da classe, dentro de um programma magnificamente elaborado” (Correio Paulistano, 22 dez 1924, p. 7).


O professor Cláudio Sampaio Torres escreveu uma deliciosa crônica, creio que em 1995, imaginando a conversa durante da madrugada, das chaminés da Fábrica de Tecidos Nossa Senhora Mãe dos Homens e a da Usina (Companhia Açucareira). Nesse diálogo, as chaminés falam de seus trabalhadores, os operários.


O Engenho Central existiu desde outubro de 1878 e a Fábrica de Tecidos desde janeiro 1924. Portanto, havia operários em Porto Feliz no passado. Em 1916 fundou-se um time de futebol, existente até hoje, com o nome de Esporte Clube Operário Araritaguaba, chamado carinhosamente de “Ararita”.


Ainda assim, a memória sobre as mobilizações operárias na cidade de Porto Feliz são escassas. Durante o Estado Novo, a ditadura do governo de Getúlio Vargas, ocorreu uma pequena greve entre operários da Usina. Como se vivia numa ditadura, em que as liberdades são limitadas e o controle do Estado é constante, esse pequeno movimento deu origem a um inquérito e posterior processo-crime julgado pelo Tribunal da Segurança Nacional! Com isso, o arquivamento desse processo ficou a cargo do Arquivo Nacional e hoje pode ser consultado por meio da internet.


Uma greve esquecida pode agora ser rememorada graças a existência desse processo e dos avanços tecnológicos da atualidade.


O Relatório final do processo do Tribunal de Segurança Nacional informa que “no dia 25 de julho findo [1939], cerca das 9 e ½ horas, todos os operários da Secção Mecânica, do “ENGENHO CENTRAL”, de propriedade da “Societé Sucreries Bresiliennes”, em PORTO FELIZ, em número de 44, declaram- -se em greve, ficando ao lado de suas maquinas sem trabalhar...”.


A greve foi um movimento pacífico de protesto pelo fato de o presidente do Sindicato dos Operários em Assucar e Álcool e Classes Anexas ter sido transferido de um torno melhor para um inferior.


O Sindicato havia sido criado, mas ainda aguardava sua carta sindical, documento do Ministério do Trabalho que legalizaria as suas funções. O presidente do Sindicato argumentou que não sabia que a paralisação seria considerada “greve branca”, termo usado na época. O Relatório diz que “Todos os indiciados confessaram as suas culpabilidades no caso, sob o fundamento de que não sabiam tratar-se de uma transgressão às Leis vigentes e, de fato, depois das providencias adotadas por esta Regional, demonstrando aos mesmos o erro em que haviam incorrido, sem maiores incidentes, retornaram ao trabalho no dia seguinte”.


Como consequência desse dia de parede, toda a diretoria do sindicato foi destituída de seus cargos, e em seu lugar foi empossada uma Junta Governativa até a obtenção da carta sindical.


Carlos Carvalho Cavalheiro é professor, mestre em educação, escritor, pesquisador e colaborador da TRIBUNA

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